sexta-feira, 2 de novembro de 2018

TADEU CALÇAS CURTAS X PASTEL DE PALMITO

Ontem num Exame Médico Admissional, atendi ao Gerinaldo, homem simples, 31 anos, olhos amendoados, etnia típica dos originários de Belém do Pará ! Veio para Blumenau, em busca de trabalho, em ônibus clandestinos, que chegam à esta terra, trazendo seus conterrâneos semanalmente! Contou-me que veio há 6 meses com esposa e filho de 1 ano de idade. Contente em me contar que após 5 meses, trabalhando como Ajudante de Carga e Descarga (Empresa Logística de Transportes), fez curso de capacitação e agora conquistou um trabalho de Auxiliar de Estamparia, em empresa Têxtil, salário melhor e menos sobrecarga física. --- Gerinaldo (perguntei), “ainda se descarregam caminhões com muitos sacos de feijão e arroz com 60 Kg? --- Sim Doutor ! Nem sempre temos “empilhadeira com pallets ...ainda é um serviço pesado” ! Respondeu-me ! Bom papo, continuamos conversando... contei-lhe então que meu saudoso Pai, teve seu primeiro trabalho com “carteira assinada”, como Ajudante de Carga e Descarga de caminhões, que abasteciam os depósitos almoxarifados, de gêneros alimentícios, do Armazém Reembolsável do 2.o Batalhão Rodoviário em Lages SC, em 1960, contava então meu pai, com 40 anos de idade. Foi para nós uma grande alegria, pois significava uma segurança para família e alimentação regular ! Assim contei-lhe do orgulho que sentia, quando na mesa de refeição, meu pai, contava “hoje descarregamos 3 carretas fênêmê” (Caminhões da Fábrica Nacional de Motores...o famosos “alfas” Alfa-Romeo. Lembro que as sacarias eram descarregadas e empilhadas quase até ao teto, usavam-se andaimes para se colocar no alto, mas os sacos eram transportados nas costas dos trabalhadores. Colocar 60 Kg nas costas e subir andaimes “era para os fortes”, contava Sêo Edison, orgulhoso. O 2.o Batalhão Rodoviário de Lages, Batalhão Rondon, construiu parte da BR 116 entre Mafra SC e Vacaria – RS. Convênio com o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) reunia militares e funcionários civis. Era o principal empregador em Lages e era a segurança de milhares de lageanos, numa terra de agropecuária e pouco emprego. Certo dia, agendaram-me consulta com o Dentista do Exército, que tinha agenda para atendimento dos Funcionários civis e dependentes. Eu teria de extrair um dente ,que há muito me incomodava. Volta e meia, tinha que usar um pano com arnica, amarrado envolvendo mandíbula e amarrado em cima da cabeça, para ir à aula, pois o “calor da arnica”, “diminuía a dor” . No dia marcado, sofremos à extração dentária e vi com desespêro aquela seringa e agulhas fervendo em estôjo metálico de esterilização, para anestesia. Tragédias à parte, após à cirurgia, fiquei acantonado, numa pequena sala do Depósito Almoxarifado, esperando por meu pai, até ao término do expediente de trabalho, quando então iríamos no ônibus do Batalhão, que transportava aos funcionários e militares para região do nosso bairro. Era o ônibus N4, o mais velho, “porque as ruas do nosso bairro, não eram ainda calçadas e os ônibus mais novos N1 e N2 e N3, atendiam linhas do “centro”, com melhores ruas ! Boca ainda anestesiada, através da porta, ficava olhando o trabalho dos “ajudantes de carga e descarga”, trabalho pesado, mas divertido com as brincadeiras entre eles e “competições” de mais sacos descarregados e empilhados, numa atitude saudável ! Depósitos grandes e compridos em galpões de madeira, pintadas de branco e com borda azul próximo ao chão. Todos sobre pilotis, protegidos da umidade do solo. Saí da sala, sem autorização de meu Pai e fui percorrer os corredores entre as sacarias mais distantes, no fundo do depósito. Deparei com um pequeno monte de grãos de feijão, caídos num canto, junto à pilha de sacaria. Sentei-me no chão, recostado na pilha de sacos e fiquei “escolhendo” feijão, “separando os bons entre a palha e folhas” e colocando no bolso de meu casaco de “tweed”, branco e preto. Lages sempre é frio ! O frio, o stress do dia de “extração dentária”, faminto, pois “não podia comer”, adormeci recostado na sacaria. Acordei com gritos de meu Pai, angustiado com meu desaparecimento. O expediente acabara e tínhamos que correr para pegar o ônibus, “ele já havia batido o ponto” ! Saímos correndo esbaforidos, fomos os últimos a embarcar no N4. Em casa, ao enviar mãos no bolso, deparei-me com os grãos de feijão “escolhidos”. Levei para minha mãe e ela me questionou. Após relatar onde pegara, notei seu semblante de preocupação e levou-me para Sêo Edison, onde fui severamente admoestado, “aquilo não era nosso e “senhor Tadeu Calças Curtas”, “amanhã vai comigo até ao Batalhão, falar com o Chefe do Almoxarifado”, Sr Totó ( baixinho, gordinho, óculos redondos muito menor que o rosto, fama de muito severo e honestíssimo). Ave Maria, minhas pernas tremeram. Os feijões foram colocados numa xícara média de louça e amarrada com pequeno guardanapo de pano. Dia seguinte eu, “Senhor Tadeu de Calças Curtas” ...só se podia usar calças compridas depois dos 14 anos, apresentei-me ao Sr Totó, para “contar minha história de catador de feijões”. Ele ouviu-me pacientemente. – “Muito bem, Sr Tadeu de Calças Curtas, isto não se faz, nunca se retira nada, do que não é seu, de lugar nenhum! Agora venha comigo e mostre-me onde encontrou estes feijões.” Fomos corredores à frente, lá no fim, mostrei, havia mais feijão que o dia anterior. Olhando para cima, viram um saco que no meio da pilha, pela pressão, abrira à costura. Desfeita à pilha, recuperado , minha tarefa com meu pai, foi costurar, com uma agulha grande e fio de sisal. Feito o trabalho, Sr Totó disse. - Sr Tadeu Calças Curtas, você nos ajudou a recuperar estes 60 kg de feijão. Você quer tomar um café comigo ? “Sim – respondi receoso”. Você gosta de pastel ? --Sim respondi ! “De palmito ou carne ?” --- Pegou-me pela mão, atravessou à rua, levou-me até o “bar e bilhar”, defronte e tomamos uma média de café e um belo pastel ! Adorei “escolher o feijão” e Sr Totó honesto, foi meu ídolo desde sempre ! “TADEU CALÇAS CURTAS’ – RECEBI MINHA LIÇÃO ! Texto do Dr. Adilson Tadeu Machado