domingo, 24 de maio de 2020

Texto do Adilson "acalmar o Minuano"

Texto de Adilson Tadeu Machado ...e a vaia fina fura a frincha das portas... (Augusto Meyer – 1929) Nossa casa era de madeira-de-pinho, o único cômodo de “material” era o banheiro. Pia, chuveiro e vaso sanitário, um luxo para época. Final da década de 1950 ! A Vila Popular, talvez uma das mais antigas construções de casas populares de Santa Catarina. Dividida em quadras, A,B,C,D,E,F,G..., nossa casa era a de número 25 da quadra G, na Avenida 1º de Maio. Na frente um descampado, terreno da Chácara das Irmãs, onde ficava a Igreja Nossa Senhora das Graças, O Orfanato das Meninas e nossa Escola Primária. A Avenida na frente de casa, sem calçamento, terra-de-chão, era nosso folguedo diário... 4 tijolos demarcavam as “traves”, pronto! Estava feito o campinho de futebol. Os times “com camisa e sem camisa”, uma bola, jogava-se até com a “luz da lua” ! Ali era também “corredor de tropas”, do gado que vinha da Coxilha Rica, para a charqueada dos “Bianchini” ! Diversão pura quando se ouvia o “eia boiada”, debruçados da janela do sótão (nosso quarto), apreciávamos os “peões-de-fazenda”, no manejo do gado. Seus cavalos ricamente encilhados, pelegos coloridos, boiadeiros com bombachas, lenço maragato no pescoço, camisas coloridas, botas reluzentes e longas, esporas de prata, Parabélum 38, cabo madrepérola na cintura, arrodeado de balas, na cartucheira farta. Símbolo de poder e dignidade ! Homem não tinha “palavra quebrada”... ou respeitava o “fio-de-bigode” ou partia para o entrevêro para manter a honra ! Quando o boi na tropa “desgarrava”, era a “disparada”, o “estouro” da boiada, boiadeiros com laço sendo arremessado para buscar o “desgranhento”, tumulto geral na rua, galopadas aceleradas e gritos ... para recompor à tropa ! Nós da janela do sótão, ficávamos torcendo pelos “desgarrados”, era um espetáculo ! Boiadeiros querendo mostrar sua coragem e habilidade. Todos sonhávamos em montar aqueles tordilhos e alazões e pode repetir às façanhas ! Em Blumenau, pouco se “vê” de vento... mas ontem à tarde, havia vento que uivava na fresta das janelas, batia alguma porta destrancada... o barulho peculiar, transportou-me àquela casa de madeira, o uivar do Minuano... creio que em 1957 ou 1958, não “achei” no Google nada a respeito. Forte vendaval “´passou” por Lages... ouvia-se estalos na casa, janelas batiam, o uivo ruidoso de “vaia fina que furava a frincha das portas”, meninos, descemos às escadas do sótão “na corrida”, reunimo-nos em volta da cama, no quarto de dormir dos pais, no andar inferior... buscou-se o braseiro e colocou-se no chão. Atrás da porta da “dispensa”, estava o “magote de ervas: marcela do campo, espinheira santa, etc. Rapidamente joga-se a espinheira santa nas brasas e a fumaça das folhas secas, sobem em direção ao teto... “ a fumaça da espinheira santa é bom para acalmar o vento, é desta espinheira que é feita a “corôa de espinhos” do Cristo... “Ave-Maria cheia de graça...o Senhor é convosco...todos de joelhos em volta da cama dos Pais...ajoelhados, cotovelos na cama, Mãe toninha “puxa o rosário” ...nós 4 pequeninos, olhos esbugalhados e saltando de medo a cada “assanhada do vento” pelas “frinchas das portas e janelas”... de soslaio olhando a fumaça que vai até ao teto...e pensando, por onde vai sair ? Como vai chegar aos céus e pedir para Nossa Senhora interceder para acalmar ao Minuano ! Aos poucos, a tempestade amaina, ouve-se alarido no exterior, noite escura, casas destelhadas, casas desabadas... “não tem luz”... a “Fôrça e Luz”, não tem “força”... acendem-se velas... o que resta do vento tremula muito às chamas... volta-e-meia, apaga... Mãe Toninha, avisa: “estou aqui...não fiquem com medo, Nossa Senhora nos ouve e protege”...acende a vela e nós torcemos para o Minuano não soprar forte de novo ! Não soprou...Ave Maria Cheia de Graça !