sábado, 15 de abril de 2017

“ Um jogo de risco de vida”

RINCÓN DEL TIGRE – BOLÍVIA – 06 de agosto de 1967. Independência da Bolívia ! Estava com 18 anos, era Sargento Radiotelegrafista do Exército Brasileiro, no Destacamento de Bela Vista do Norte – Então Município de Cáceres MT. Todos os dias, após ao expediente militar, jogávamos futebol no campo de pouso de aeronaves. Pista acidentada, mas que por ser relativamente plana, era de uma curva suavemente convexa e recebia vez por outra os Aviões Regentes da Força Aérea Brasileira. Destacava-me como jogador, principalmente pela velocidade de corrida. Fôra atleta de competição militar, na modalidade de 100 metros rasos. Tinha portanto, juventude e velocidade, como atacante, para correr chutar em gol, diante dos adversários mais velhos do quartel. Este sucesso, foi a razão de receber um convite do Comandante do Destacamento Militar Boliviano da Lagoa La Gaíba, para participar de jogos estudantis, na localidade Boliviana de Rincón Del Tigre, em plena selva Boliviana, há mais ou menos uns 100 Km da fronteira Brasil-Bolívia onde ficava a minha guarnição militar. Solicitei autorização para o Quartel General da 2ª Brigada Mista – Corumbá. Foi autorizada minha ida, desde que acompanhado por mais um soldado e então designado, o Soldado Miranda, como meu acompanhante e segurança. Nossa viagem até lá, após a travessia da Lagoa Gaíba, 45 minutos de batelão,(canoa longa e primitiva esculpida com enxó num único tronco de árvore) com motor de popa, foi feita em carroças puxadas por trator, sentados em cima de sacos de milho. Por picadas na mata, aos solavancos, água potável era levada em toneis de aço, daqueles que no passado transportavam gasolina. Agosto é calor intenso, mata sêca, temperatura da água para beber, acima de 40 graus. Não havia sombra, mata muito sêca e a trepidação do trator, despencavam folhas secas, e seus fragmentos grudavam-se aos nossos corpos ensopados pelo suor. Após 14 horas, chegamos a Rincón del Tigre, por volta das 19:00 horas. Localidade povoada, mantinha uma Missão Adventista de emigrantes letos (Letônia), com apoio de Adventistas do Canadá. Na viagem, travei longo papo, com um pastor canadense, num Inglês básico e ele se mostrava surpreso com nossos conhecimentos da geografia da região. Aquele povoado perdido, na direção de Santa Cruz de La Sierra, possuía um colégio de ensino primário e ginásio, mantido pelos adventistas atendiam aos “campesinos”, camponeses e índios da tribo Ayoréo. Lingua quíchua, típica dos Andes. A energia elétrica, era mantida sempre até as 20:30 horas, como iluminação, mantida por um motor gerador a diesel. Terminados o culto e o jantar, no terceiro “aceño” , apagavam-se as luzes do minúsculo povoado, mergulhava-se na escuridão e apreciava-se o belo céu boliviano, sem poluição, lindas estrelas e conversava-se nas varandas até por volta de 21:30 horas, ouvindo relatos dos Pastores Adventistas, contando História e Estórias da Letônia e do Canadá ! Entre os festejos, de celebração da “Independência da Bolívia”, fui convidado para algumas bancas de análise de “Trabajos Escolares”, onde premiavam-se alunos em poesia e redação. Muito jovem, ficava honrado com a deferência. Não tive como recusar o pedido do Pastor Presidente da Colônia Adventista,Pastor Arvuído Eichmann , para, como Brasileiro, neutro portanto...apitar ao jogo de futebol entre “Los Estudiantes” e a equipe “Los Índios” da tribo local, a aldeia era ao lado da sede da vila adventista. Los Estudiantes, vestiam calções verdes e camisetas brancas, mas todos descalços. Los Índios, apenas um calção ou uma calça, ou mesmo uma pequena tanga, sem camisas.Achei curioso que alguns índios portavam facas em bainhas. Estava em território estrangeiro e se os pastores permitiam isso, deveria ser costume. Não havia bandeirinhas como auxiliar de juiz e as linhas demarcatórias do campo, eram as torcidas, público de assistentes, nas laterais. Eu, fardado com meu uniforme de Instrução do Exército Brasileiro e um apito, jogava-me na aventura de apitar um “jogo de quase morte” ! Confusão na área de gol de “Los Índios”, um empurra- empurra danado, e Los Estudiantes marcaram o gol. Apitei e voltei-me apontando o centro do gramado, para reinício da partida. Foi um “tedéu”, vi-me cercado de índios por todos os lados, acho que nem John Wayne passara por aquilo. Aos gritos de um misto de Espanhol e Quíchua, aos berros gritavam que “no es gol...es falta...es falta em el goalkeeper”...olhos injetados e raivosos...fitavam-me com ódio. Foi então que senti uma espetada no abdômen, um dos “atletas” perfurara minha túnica, com uma ponta de faca, e aos berros dizia “ Gol nulo...es falta...es nulo”, fui até o centro do gramado, apanhei “la pelota” e a recoloquei defronte do gol de Los índios, anulei ao gol e eles bateram a falta. No segundo tempo, felizmente Los Estudiantes marcaram um gol de batida de falta e assim ganharam por 1X0 de Los Índios. No jantar à noite no refeitório da Missão, sentado ao lado de Honra do Pastor Arvuído Eichmann, com seu sotaque carregado questionou-me, o “porquê”, de ter voltado atrás no meu veredito e anular o primeiro gol de “Los Estudiantes”...mostrei-lhe minha túnica perfurada e o leve ferimento do abdômen, e disse: “este argumento seria suficiente?”. Após relatar ao ocorrido, surpreso ele disse que não fora possível perceber de fora do campo, o ocorrido, mas que em outros jogos anteriores já haviam sido cometido alguns ferimentos, pois “Los índios siempre desejan vincer”. As vezes lembro-me do fato, será que agi correto ? Estou vivo para relatar e escrever ! Viva “ El 6 de Agosto” Independência de República de Bolívia ! Texto de ADILSON TADEU MACHADO.