domingo, 19 de novembro de 2017

Radiamadorismo

RADIOAMADORISMO E MEU CONTATO COM HANSENÍASE ( LEPRA). Neste domingo, 19 de Novembro 2017, dia da Bandeira, olhando TV, agora a tarde, deparei- me com um documentário da TV Record, sobre os antigos Leprosários no Brasil e no mundo, que isolavam os pacientes em seus hospitais. Vi depoimentos de filhos afastados de pais leprosos, que foram criados em educandários, vivendo sob os cuidados de religiosos em educandários, alguns sem jamais conhecerem os pais e irmãos. Vi e ouvi relatos, nos documentários destes filhos e até de pacientes que hoje optam em viver naquelas vilas, isolados do contato com nossa sociedade. A Medicina avançou, e estes doentes são hoje tratados em ambulatórios, com medicações que impedem a propagação da doença. Vi também, que apesar dos avanços 47.000 casos novos de Hanseníase, por ano, são detectados no Brasil. Por ser hoje domingo, minhas memórias foram-se para o início da década de 70. Era Sargento Radiotelegrafista do Exército Brasileiro, trabalhava no 14º Batalhão de Caçadores em Florianópolis, 22 nos de idade. Feliz, havia recebido meu prefixo de Radioamador, na época PY-5-CLG (hoje PP-5-CLG, já que com a divisão das regiões, as letras PY ficaram para os radioamadores do Paraná, então nós de Santa Catarina recebemos as letras PP. Não tinha condições financeiras, para comprar um equipamento de radioamador, frequentava a LABRE (Liga de Amadores Brasileiros de Radioemissão) em sua sede em Florianópolis, e fazia de lá meus contatos, com a estação do Clube. Era muito disputado, pois vários colegas, em condições semelhantes, faziam o mesmo, para uma única estação. Pouco tempo tínhamos. Nelson da Silva e Jerônimo Borges Filho,(Presidente da LABRE) então, vendo minha paixão pelo rádio, consertaram um velho rádio transceptor que transmitia em frequência fixa somente, na frequência de 7.150 Khz e em AM (Amplitude Modulada) e usando dois bambus, cortados e arranjados pelo Nelson e com cabo dipolo, montamos no quintal de minha casa a antena Dipolo. Assim eu tinha uma estação em casa, e aos sábados e domingos era o meu programa favorito. Pouco importava minha limitação, eu só podia transmitir e receber sinais em 7.150 Khz (40 metros) . Se o operador do outro lado do rádio, me ouvisse , teria de ajustar seu rádio exatamente em 7.150 metros, senão eu não conseguiria ouvir. Os rádios de frequência variável, eram caros no Brasil e raros, só para os mais abonados. Pelas manhãs de domingo, abria meus chamados: “ CQ 40...CQ 40...CQ 40 METROS” PAPA CINCO CHALIE LIMA GOLF, (PP-5-CLG) , OPERANDO ESTÃO FIXA, CHAMA QUALQUER OPERADOR QUE QUEIRA MANTER UM BOM PAPO ! “ E assim fui fazendo meus contatos, maravilhosos pelo Brasil afora...e me tornando conhecido. Aos domingos já tinha uma rede de amigos, que agradavelmente, atendiam meus chamados e estabelecíamos longos papos em rodada, um de cada vez ! Meu velho Pai Edison e minha Mãe Antônia, acompanhavam aqueles papos pelo rádio, e ficavam felizes quando os colegas de rádio diziam: “Olha...Adilson, se o Sêo Edison e Dona Antônia estão ouvindo, mando meu 73 (Abraço)...aquilo era muito bem vindo ! Certa manhã de domingo, um radioamador , ouvindo meu chamado, atendeu-me e estabelecemos um contato aí por volta de 7 horas da manhã, e nos prolongamos por quase 2 horas de contato. Chamava-se também “TADEU”, como meu segundo nome. Não vou aqui declinar seu Prefixo...uma homenagem doída de fazer. Chegando perto de 09:30 horas da manhã, eu pedi a ele licença para retirar-me do Rádio, pois havia prometido de levar meus pais na missa, no fusca 1969 que eu era o motorista e que a família havia comprado com muitas dificuldades e era nosso xodó ! Foi então que “Tadeu”, disse-me: Caro macanudo (amigo) Adilson...licença concedida com muita honra... leve lá seus pais...aproveite que estes momentos são raros. Num relato triste contou-me que assistia à missa, durante muitos anos, através de janelas, em ambientes separados, pelo fato de ser portador de Hanseníase, pois era um paciente internado, isolado. O mundo estava mudando, com novas medicações e as realidades dele, também estavam mudando, mas dado às deformidades que a doença lhe causara, não se sentia bem com a reação das pessoas, com sua presença. Tadeu passou a ser um amigo de rádio enquanto pude ter a estação em Florianópolis. Anos se passaram, fui morar em outra cidade onde cursei Medicina, conheci o Professor Ruy Noronha de Miranda, Cientista e Diretor do Centro de Estudos Leprológicos do Paraná, meu ilustre Professor em Dermatologia, homem respeitado mundialmente e falecido em 2010 aos 95 anos. Professor Ruy, foi Diretor do Leprosário onde estava internado Tadeu, havia conhecido o paciente. Professor Ruy morou com sua família na Vila onde ficava o hospital. Nos tornamos próximos, com ele pude visitar o Hospital, mas não pude conhecer Tadeu, ele havia partido para o Oriente Eterno. Vezes por outra, desci pela Estrada de Ferro que passa pela Estação de São Roque, rota turística que vai a Paranaguá...cada vez que passo por ali, o coração aperta. Querido Tadeu, que Deus o tenha ao seu lado, com meu mais afetuoso Abraço. (73). texto do Dr. Adilson Tadeu Machado. (PP-5-CLG)