sábado, 19 de janeiro de 2019
Tio Nêra.
“ TIO NÊRA “ - texto do Adilson Tadeu Machado.
Esta tarde calorenta e chuvosa...pingos de chuva ressoam sobre caixas de ar condicionado...o som me remete aos pingos, sobre as tabuinhas e as telhas que cobriam a casa de Vô Boanerges,(Tio Nejo) na Invernada de Cima, na Fazenda Santa Rita, ali no Portão Encarnado (avermelhado), na estrada de rodagem Lages-São Joaquim SC, talvez uns 25 Km de São Joaquim. Eram campos delimitados, pela Chapada Grande e os fundos do Morro do Burro, no sentido longitudinal. No transversal era a taipa na estrada de rodagem e nos fundos à taipa que dividia com a Invernada de Baixo, sede da Fazenda. Passava esta taipa no meio da Lagoa do Morro da Raia. Esta lagoa no verão, após ou durante trovoadas de chuva...era gostoso banhar-se, nadar. Águas mornas...pois no Riacho da Cascata do Tio Machadinho, na invernada de baixo, as águas eram muito geladas, mesmo no verão. Era nossa diversão preferida. Nesta lagoa, como em outras, não era difícil, sair com “chamichunga”, (sangue-suga), agarrado no corpo. Engraçado isso, animal que era usado para “sangria”, na medicina do passado, e hoje corredores de longa distância, a utilizam tentando diminuir o efeito do gás carbônico no organismo, gerador de ácido lático, como preventivo de dores musculares, melhorando a taxa do sangue oxigenado. Numa destas tardes, Vô Boanerges incumbiu-me de ir à sede da Fazenda Santa Rita, levar algum recado, à sua irmã, “Mãe Toninha”, proprietária, viúva, matriarca, autoridade máxima. Bondosa, caridosa, religiosa, fervorosa de Santa Rita de Cássia, sempre vestida de preto (viúva), cabelos alvos, de uma brancura de neve. Um lenço preto na cabeça. Eu contava então com uns 10 anos, orgulhoso da missão, encilhei ao Bragado (cavalo alazão) malhado, branco com vermelho, (Lembram do cavalo “Escoteiro” do índio “Tonto”, parceiro do Zorro ?) Bragado, era um cavalo “veiaco” (Velhaco), não gostava de crianças e era rebelde no cabresto, quando uma criança montava e costumava “reinar” no caminho, tentando dominar às rédeas. Nosso rêlho, uma boa vara de marmelo, aplicada nos “quartos”, amansava o “disgranhento” quando não queria seguir pelo caminho ! Dado o recado na Sede, para Mãe Toninha, agradeceu-me, fez-me tomar um café- com- mistura, bolinhos de coalhada da Tia Sidóca (Irmã da Mãe Toninha), franzina mulher, sempre bem humorada, um doce de Tia-avó. Às recomendações de “cuidado”, montei de volta no Bragado e rumei pela estradinha para casa de meu avô. Ao passar na porteira, ao lado da grutinha de Santa Rita de Cássia, quando montado fechava à porteira, colocando a argola de arame no alto do moirão, senti que a sela que montava, estava solta. A chincha abrira na argola sob o abdômen do Bragado. A arreata mal amarrada por mim, não dera o apêrto necessário. Tinhoso, Bragado, percebeu e corcoveou e fui expelido pelas ancas dele, escapando de um coice. Saiu corcoveando, perdeu a sela, que recolhi e escondi atrás da taipa, até que pudesse voltar com outra montaria e recuperar. Corri e caminhei atrás do Bragado, por morros e capões de mato, pois ele tinha um cabresto e era uma peça cara, que se desvencilhasse eu teria sérias reprimendas de meu avô. Chuva de verão, trovoadas, seguindo o Bragado que cortava caminho, por terrenos que eu não conhecia na Fazenda. Quando cheguei em casa, acolhido pela avó Angelina, deu-me café com conhaque, para espantar resfriado. Fui relatar o fato para meu avô. Encontrei-o, jogando cartas “pif-paf”, com um personagem ,que não conhecia e que para o resto de minha vida, dias de chuva e pingos no telhado, tenho-o na memória. Tio Nêra (Nereu) e Meu Avô Boanerges e meu Pai Edison, sentados à beira do fogo-de-chão, entre eles, um banco feito de tronco de pinheiro, escalvado (côncavo), servia de mesa para o jogo, onde se distribuíam as cartas. Tio Nêra quando sorria, apresentava um dente de ouro, ao reflexo das chamas do fogo de chão, parecia um personagem de outro mundo ! Quando se jogavam as cartas, após as compras, no descarte os jogadores tinham que falar, a carta e o “naipe”em voz alta: “quatro de paus”, “ás de ouro”, “três de copas, etc.” Tio Nêra, usava óculos escuros, eu não sabia, era cego, e apenas quando recebia as 9 cartas do baralho, no início do jogo, era-lhe informado qual cartas recebeu na “demão”. Era delicioso quando, alguém anunciava a carta lançada na mesa, ao longo do jogo, “cinco de paus (exemplo)” tio Nêra, gritava: “Batí !” vencendo ! Era uma festa para nós garotos, ver da alegria de todos os contendores, da admirável memória do tio Nêra. Era uma visita itinerante nas fazendas, de fazenda em fazenda, assim levava sua vida, para todos nós, uma visita sempre benvinda e genial. Bem, se você está curioso, meu avô elogiou-me, por chegar em casa, indicar onde estava o Bragado e o Cabresto, bem como a sela. Todos foram recuperados e conheci o Tio Nêra ! Batí ! Fim de Partida! (Jôgo) !