sábado, 9 de fevereiro de 2019

“PETIT HOMME”

“PETIT HOMME” - Texto do Dr. Adilson Tadeu Machado Há 5 anos, os amigos sabem, aposentei-me como obstetra e labuto diária e intensamente, como Médico do Trabalho, numa jornada que aos 70 anos, reforço em academia, tentando correr em corridas de rua, seguindo o exemplo do Dr Dráuzio Varela, no seu livro “Correr”...ele correu a Maratona de Tóquio aos 70 anos. Já atingi esta idade e estou mantendo o foco...quem sabe correrei lá antes dos 80 ! Uma lesão aqui, outra ali passei à semana, poupando certa região corporal, e tenho consulta com fisioterapeuta, para colocar parte da Coluna Vertebral, no lugar possível e voltar às corridas. Quando vi a Ressonância Magnética...não acreditei. O radiologista deve ter trocado minha coluna por outra...pois elencou uns 10 itens de “problemas”...pensei: “caramba esta coluna não é minha !” Decidi não pensar, como sendo minha e vamos encarar o desafio...o fisioterapeuta deve melhorar isto...preciso voltar às pistas ! Mas deixando o “narcisismo” de lado... Nos exames médicos admissionais, demissionais, etc que convivo no dia-à-dia, deparo com candidatos ao trabalho, de várias regiões do Brasil: RS, MA, PA, AM,PB,CE, etc e de outros países, Haiti, Venezuela,Peru, Congo, Namíbia, EUA, Holanda, etc...todos em busca de trabalho em Blumenau. É Blumenau cosmopolita, recebendo e acolhendo aos que querem trabalhar. Nos exames admissionais o fascies de alegria pela conquista...nos demissionais contra à vontade, o fascies de tristeza. Queiram ou não, isto nos afeta...vamos da alegria à tristeza em poucos minutos ! Sem demagogia...um colega e amigo médico, certa vez, vendo-me lamentar por um insucesso de atendimento, disse-me: “é seu primeiro caso, de insucesso ? “Não se envergonhe por chorar...seu coração de médico, ainda não está calejado...você só será médico, se carregar cicatrizes no coração”. Havia tido uma semana difícil, problemas do quotidiano, noite mal dormida, fui na 5ª feira, ao trabalho, envolvendo-me na agenda diária de atendimentos ! Eis que, atendo um homem de uns 40 anos, haitiano, acompanhado do intérprete. Procuro não usá-lo, na comunicação. Meu Francês de “metido”, do Ginásio Vidal Ramos- Lages SC, de 1961-1964 “Le Français au Gymnase” gosto de rememorar e comprei um livro de “Francês para Viagem” e me comunico razoavelmente com os haitianos que falam Francês. Alguns deles, usam só o dialeto Papiamento e aí complica ! Enfim, o Senhor Haitiano Petit Homme, candidato ao emprego de “Coletor de Lixo” (não gosto desta descrição e já pedí à empresa empregadora, que trocasse para “Servente Coletor”), infelizmente ainda não tive sucesso. Há ainda preconceito, em se ler na Carteira do Trabalho, a descrição do ofício. Sr Haitiano “Petit Homme”, fomos para anamnese, história clínica e respondendo meu questionário sobre sua saúde e exame clínico, nada ali encontramos, que o impedisse, de exercer, sua função de trabalho. Ao conferir os exames laboratoriais e radiológicos, deparo com uma alteração cardíaca significativa.Na história clínica, nenhum relato de dificuldade anterior. Diante daquela alteração, teria que incapacitá-lo para aquela função. Como sabem, exige um preparo físico adequado, correr, levantar pêso, etc. Ao tentar explicar isto,e minha dúvida, deparei com crise de choro intenso do candidato. Casado, ele desempregado há 1 ano e 6 meses, esposa com bebê, tem sobrevivido com ajuda de compatriotas. Através do intérprete, também haitiano, pedi ajuda para explicar, que se o liberasse, poderia num esforço de demanda do trabalho, acentuar seu problema cardíaco e se letal, eu médico, poderia ser responsabilizado. Há um ditado popular “ Entre um médico bonzinho e um tolinho...há um “burrinho”. Desesperado, por ver chance de trabalho esvanecer-se, não queria nos ouvir. O próprio intérprete, apelava por mim ! Angústia e ansiedade no “trio” ! Solicitei um parecer especializado de Cardiologista, para liberação de trabalho naquela função. Estes pareceres, às vezes, são demorados, e certas empresas, contratam o seguinte da fila. Pois ao contratar alguém doente, significa prejuízo, longos afastamentos e substituição, com demandas de recolhimentos aos cofres públicos do Custo Brasil! Expliquei ao Intérprete...fiz a carta ao Especialista e solicitei seu parecer, “com liberação ou não para aquela função”. Talvez pudesse ser aproveitado em outra função, que não demandasse tanto esforço físico...mas as empresas nem sempre têm esta vaga ! Não esqueço o olhar de desespêro e úmido, na despedida do Sr. Petit Homme. Pequenas coisas que ficam remoendo à noite ou nos momentos de lampejos de memória ! Eu havia orientado, tão logo tenham este parecer, retornem aqui, independente de agendamento, eu os atenderei. Procurem por mim! Dia seguinte, sexta-feira, intenso para atendimentos, geralmente predominam aos “Demissionais” em final de tarde. “Demitem na Sexta-feira, sábado e domingo para “amortecer”, enfim, atitudes que são corriqueiras. Quase no final da tarde, deparo com o Intérprete e o Sr. Petit Homme, ansiosos em falar comigo. Petit Homme, brandia, alegre, uma Carta Especializada e outro exame anexo, mostrando que seu coração estava em dia, e um texto habilitando-o para a função, assinado por Cardiologista. Era uma felicidade só.Nossa...é óbvio ! Orientei de que os exames originais, deveriam ser guardados em local seguro, para qualquer comprovação futura. Prontuário documentado e aprovado, passei o resto do dia, registrando na memória aquela troca de olhar, “do desespêro à vitória em 24 horas”. Graças ao “ Le Bon Dieu...Petit Homme il será, Le Grand Homme” ! BONSOIR MI AMI!