domingo, 19 de maio de 2019
Saudades de uma Caserna.
“ESTÁGIO NA BRIGADA PARAQUEDISTA” - texto do Adilson Tadeu Machado.
Corria o ano de 1979, na Escola de Saúde do Exército, Rio de Janeiro, cursávamos o Curso de Oficiais Médicos (26 alunos) e Oficiais Dentistas (10 alunos). Todos oriundos de Concurso Público Nacional, classificados e orgulhosos de envergar a farda Verde Oliva de Oficial, Primeiro Tenente. Éramos oriundos de todas as regiões do País. Pela manhã, tínhamos estágio obrigatório na Especialidade de Cada aluno, em Hospital Civil Federal (Souza Aguiar – Ginecologia era o meu). Foi um ano de greve de Médicos Residentes Civis, tínhamos trabalho redobrado. À tarde, na Escola de Saúde, aprendíamos Medicina Militar e seus 5 escalões de “Evacuação de Feridos de Guerra”: Posto de Triagem, Hospitais de Guarnição, Hospitais Centrais, etc, baseado e manuais de Evacuação de vários Exércitos no mundo. Assim um mundo novo, para mim, aprendendo na Paz, estar preparado para a Guerra. Havia entrado para o Exército 11 anos antes, também por Concurso Público Nacional e fôra Radiotelegrafista (Código Morse), por 11 anos. Trabalho insalubre, sob radiofrequência, trabalhávamos em turno de 6 horas diárias. Assim pude estudar e conquistar a sonhada graduação de Medicina, trocando turnos de trabalho e estudando.
Na Escola de Saúde, encontrei também, médicos, alguns velhos camaradas em posição semelhante, vindos da Marinha e da Aeronáutica. No Ensino Militar, na aula Inaugural na Escola de Saúde, assistimos a Major Enfermeira Elza Cansanção Medeiros, militar brasileira, um das primeiras Oficiais-Enfermeiras do Exército Brasileiro, discorreu sobre sua atuação na Itália, na Força Expecionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial. Um bela conferência de Brasilidade e devoção à nossa querida Pátria.
Assim foi o ano de 1979, além dos ensinos na Saúde, convivíamos com estudos de Cartografia Militar, mapas, táticas de evacuação, conhecimento de terrenos e como suplantar dificuldades para levar o ferido de guerra, ao seu tratamento adequado. No preparo militar, fizemos inúmeras visitas à organizações militares de todas às armas: Artilharia, Infantaria, Engenharia, Cavalaria e Comunicações. Visitamos Escolas Militares e seus Hospitais como o da AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), na época com equipamentos avançados para Neurocirurgia.
Então veio a comunicação, de que estagiaríamos uma semana, em período integral, na Brigada de Paraquedista Aero-Terrestre, na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Considerada tropa de elite, cercada de história de bravura de seus integrantes, bem como, o rigoroso teste de seleção física e mental, a que todos os candidatos são submetidos. Quem já viu a série Band Of Brothers, do Spielberg ? É aquilo !
Paraquedistas usam farda verde oliva, boina vermelha e Coturnos Marrons. Para conquistarem isto, são selecionados ao extremo. O uniforme é um símbolo dos guerreiros que conquistam a glória. São um Corpo Unido de Valores éticos e lealdade ao País e aos camaradas. Recebem soldados de vários países, uma Escola de Líderes “Comandos”. São orgulhosos do que conquistaram. Consideram o solo da Brigada, terreno sagrado, onde nós que usamos “pés pretos – coturnos pretos”, não podemos nos deslocar em passo simples, mas sim, em passo acelerado, uma espécie de corrida, em cadência, que usamos nos exercícios de Marcha. Por ser o mais antigo do Grupo de Oficiais Médicos e Dentistas (tempo de serviço militar), fui designado “Xerife da Turma”, comandava o Grupo de Alunos, nos deslocamentos de marcha. Apresentando-nos na Brigada, fomos recebidos pelo Major Médico Paraquedista, Comandante do Posto de Triagem de Saúde da Brigada Paraquedista. Assumiu meu comando do Corpo de Alunos e durante uma semana, nos deslocávamos, pelo “solo sagrado” em “passo-acelerado”, o que para médicos e dentistas oriundos do meio civil, causava desconforto e os deixava ofegantes, pelo despreparo físico. Apesar disso, foi uma semana interessantíssima. Levávamos tudo como um “trote de pé-preto”, diversão camarada, mas em sala de aula éramos tratados com galhardia. Alguns de nossos colegas, mais tarde fizeram seleção e foram ser, também oficiais de Saúde Paraquedistas.
Sexta-feira, último dia de estágio, nos levaram para Torre de Treinamento, de Saltos de Paraquedas. Os soldados e oficiais que pulavam na torre, gritavam chacotas: “Pé preto é charuto”, querendo dizer que não sabíamos usar paraquedas e que ele não abria, despencando no céu como “charuto” e sabíamos que jocosamente, isto era comparado a “dejeto”. Riam muito. O Major Médico Paraquedista, desafiou nosso grupo de alunos. “Algum dos Senhores, aceita o desafio de vestir-se e pular da torre de treinamento”.
Respondi, - Major...se eu pular, posso “gritar” o palavrão que quiser ? Pode !
- Meus colegas se alvoraçaram, era a chance de darmos um “Trôco” nas brincadeiras.
- Quando cheguei no alto da Torre, o Sargento Monitor que nos vestia com os cordoames de paraquedas, simulou: “Tenente, vou colocar este pequeno pedaço de arame, aqui porque a fivela da ombreira direita está quebrada, e preciso reforçar” – (aquilo era trote para me atemorizar e desistir do salto)...mirando o Sargento, reconheci as feições do praça e li seu nome de guerra no crachá, fôra Sargento que servira comigo , no 14. BC em Florianópolis, no início da década de 70. “Sargento Kuhlmann, se algo me acontecer, vou prender você na Cadeia do 14. BC em Floripa”...ele fitou-me, fiz me reconhecer e nos abraçamos, efusivamente. A galera que nos assistia embaixo não entendia o que ocorria. Cheguei na beira da torre, meus colegas em tremendo alarido, gritavam: “Pula Adilson ! Pula !
Pulei e num gostinho de vingança, gritei “PARAQUEDISTA TAMBÉM É CHARUTO! Emendei um outro palavrão, não vou citar, era brincadeira de soldado. A ovação dos meus colegas foi enorme e jogaram seus “Caps” bonés militares para cima, festejando, estávamos de alguma forma vingados. Terminamos nosso estágio, com ótimo almoço e discursos efusivos e abraços de ambos os lados, ganhamos camisetas da Brigada Paraquedistas !
Saudades de uma Caserna...e de amigos leais !