segunda-feira, 8 de abril de 2024

Vô João Inácio ! (texto do Adilson)

A primeira vez que o vi, foi na região de Guatá, localidade então no município de Lauro Muller SC. Meu pai, pilotando uma charrete “aranha”, duas rodas, tração de um animal só, descemos à Serra do Rio do Rastro...fomos “serra abaixo”, eu com 6 anos, minha irmã Cleusa creio que com 3 anos. Viajávamos deitados na parte frontal da charrete, aos pés de nossos pais. A charrete aranha faz uma concha onde o piloto e acompanhante descansam os pés. Anos 50, quando iniciamos à descida o céu era limpo, meu pai nos mostrava o mar no horizonte. Pouco depois a “cerração” (neblina) encobriu tudo como breu. Pai desceu e segurou o cabresto, puxando o animal de maneira segura e guiando a pé, zelando pelo risco de despencarmos nos peraus (abismos) da serra, primitiva, estrada de tropeiros, e muitas histórias de acidentes fatais. Dona Toninha minha mãe rezando o terço em voz alta, nós respondíamos “Ave Maria\Santa Maria\ Glória ao Pai...Pai Nosso”. Chegamos em Guatá, fomos à vila dos mineiros...vô João e vó Clarinha, residiam em um casa simples de madeira. Ele muito alto, magro, braços musculosos, olhos azuis serenos... sorriso bonachão. Adorei meu avô, não o conhecia ainda. Vó Clarinha,(nascida Gonçalves Farias) em Orleães SC, baixinha, olhos muito azuis...sorriso bondoso, mãos cobertas por luvas de meias, encobriam lesões de um eczema crônico. Vô João mineiro da carbonífera, conversava muito com meu pai Edison e ouvíamos seus causos relacionados ao trabalho “em baixo da terra”, mostrou-nos a luz de carbureto que usava amarrada na testa...suas mãos grandes e calejadas de uma jornada de 12 horas no “fundo da mina”, com picaretas e pás. Ouvi sobre minas que desabavam, dinamites etc...tudo aquilo era magia, para um menino da serra acima, que só conhecia campos de São Joaquim, Lages, Cochilha Rica. O Vilarejo todo, com um cheiro esquisito...do carvão explorado. Vi árvores mortas em lago de água de chuva...”é a contaminação da pirita”...e a dificuldade que tinham para ter água pura em casa. Aquilo me deixou triste...a paisagem da lagoa era lúgubre” . Em São Joaquim, tomávamos banho em lagoas em dia de chuva...á agua era mais aquecida...só tínhamos que cuidar, com as chamichungas, sanguessugas que grudavam nos nossos corpos. Aqui no Guatá, apesar do clima quente...não podíamos nadar nas lagoas, por causa contaminação da pirita. Sobre o vô João Inácio, era conhecido por “João Grande”, cabelos alvos, lisos, cor de alumínio. Analfabeto, assinava o nome ! Era líder de mineiros, respeitado pelo “Feitor”, e o Chefe de Mina. Muito querido por todos...bravo no trabalho, honesto e chamado para dirimir demandas de vizinhos e mineiros, por sua conduta ilibada. Soube mais tarde que nascera no interior da estrada que vai de São Joaquim para São José dos Ausentes, em confins longe de qualquer estrada. Seu pai fora homem influente em São Francisco de Paula RS, cartorário, ameaçado de morte fugira sozinho para região serrana de SC. Embrenhou-se por remotos campos e amasiou-se , com uma cabocla. Desta união nasceu João Inacio Thomaz, só foi registrado João Inácio Oliveira ( sobrenome da mãe), pois só foi registrado após aos 18 anos em São Joaquim SC, seu pai já havia falecido. Seu pai teria tido família numerosa “Thomaz”, na região de São Francisco de Paula RS. Vô João na juventude, passou a vida nas fazendas, na lida de campo, lavouras, lida com gado, domador de animais (burros) que adorava descrever às façanhas. Exímio atirador de bodoque, arco de madeira que atira pedras. Instrumento que usava para caçar pássaros e pequenos animais para sustento alimentar. Contou-me uma passagem de derrubar um veado campeiro, tonto, por uma pedra lançada com seu forte bodoque de cambuim e cordas de imbira, cuja pedra lançada acertara na testa do animal. Suficiente para abastecer sua dispensa com charque , por algum tempo. Contava-me muitas histórias de tropeadas. Tropeiro contratado, fazia a “bóia” e o café em inúmeros acampamentos das tropas. Serviço pesado em levantar bruacas e colocar nas cangalhas nas mulas, era com “João Grande”, sentia muito orgulho em me contar. Trabalhou, serviço braçal na Serra do Corvo Branco, Urubici, onde ajudou a escavar aquele rochedo, à dinamite e no braço... Eu menino extasiado ouvia tudo ...absorvendo cada história e nutrindo um orgulho por este “vô João Grande”. Nas férias de Julho, na adolescência , eu vinha de Lages para São Joaquim, trocava de condução ônibus e chegava a Lauro Muller, já por estrada aberta para carros maiores. Aquela viagem era espetacular. Meu vô, aposentado, tinha uma pequena casinha com laranjal no alto de uma colina, ao lado do lavador de carvão...o trem maria fumaça passava na frente e nos fundos do terreno...uma diversão ver a fumaça e chispas... sentir o cheiro forte...( o trem dizia: “café com pão...manteiga não...café com pão ...manteiga não) vô João fazia questão de ficar na cerca e saudar aos maquinistas...conhecia a todos. Saudações alegres. Buscávamos lenha numa “gaiota” feita por ele, e vínhamos com ela carregada. Certa vez meu pai Edison não conseguiu tracionar pelo peso. Meu avô com idade acima de 78 anos, ainda forte, dispensou meu pai e tracionou morro acima...meu pai comentou para mim com voz sussurrando: “teu vô tem força de boi- carreiro”, rimos baixinho...num misto de orgulho e cumplicidade...Faleceu em Florianópolis com mais de 80 anos...está sepultado ao lado de sua “Clarinha”, no cemitério de Lauro Müller. Adorava passear comigo no fusca laranja 1975 de meu pai...que hoje dirijo. Todos nós temos personagens que se foram...que gostaríamos de estar juntos e ouvir todos os “causos” não contados...”Bênçâo Vô João ! “Deus te abençoe meu neto Tadeu, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, durma bem”. Ritual de todos nós, netos já deitados, antes de adormecer ! Boa Noite Amigos. Blumenau 07/04/2024. “Bênçao de Deus” !