sábado, 29 de outubro de 2016
“ZÉ DAS MORTES...1967”
O ano era 1967...mês de Agosto...Pantanal do Mato Grosso...noite “escura como breu”, um vento quente entrava pela tela da janela, proteção dos mosquitos, reunidos em volta de um lampião à querosene, Sargento Darwin (42 anos de idade), Comandante do Destacamento de Bela Vista do Norte, (Município de Cáceres MT) ,( beira do rio Paraguai) obeso, banguela na arcada superior...discorria sobre caçadas de onças...e outros “causos mais”...em volta da mesa ainda presentes, os personagens que escutavam, os blefes de valentia de Sargento Darwin, estavam: Sargento Gasparotto( 20 anos de idade, de Campo Grande MS), Sargento Adilson (18 anos de idade, de Lages SC) e Soldado Lourides (30 anos de idade). Este último, soldado pantaneiro profissional, vivendo naquele “mundéo” perdido de Deus...há 12 anos. Nossa casa de barro (estuque), coberta com folhas de acorí, palmeira típica do pantanal. Chão de cimento...o único conforto eram as telas nas janelas...vocês já ouviram falar do que é um “inchame” e mosquitos no Pantanal ? Não queiram saber...mas o assunto é outro...
Ao lado do lampião, uma garrafa de vermute.. cada gole, .alimentava os traços de valentia do Sargento Darwin e a platéia ouvia...duvidava um pouco...mas os arroubos continuavam. Aquele banguela quando falava, perdia um pouco de saliva, o que incomodava como “baba” e vez por outra cuspia no chão, fumava palheiro,“ajuda espantar os mosquitos”. Certas tantas...o papo descambou para causos de “assombrações e almas penadas”...e “causos acontecidos”, “aqui na área do acampamento do Exército...”...abrem-se os olhos e ouvidos...platéia atenta ! Sargento Darwin, discorre sobre um famoso “matador – homem violento de brigas e com alguma dezena de “mortes matadas” nas brigas dos vaqueiros da região. Pois o tinhoso do “matador” ... o famoso “Zé das Mortes” “tava” sepultado...ali no cemitério do Destacamento, há uns 200 metros de nossa casa, isso desde 1937 ano de sua morte...sua tumba era conhecida...o “cara” era meio herói-bandido da área, com tantos folclores... A platéia, foi sentindo um arrepio...assombração aqui perto ? Nós havíamos chegado em Março e até então...sabíamos de estórias do Zé das Mortes...mas estas estórias de “assombração” era coisa nova ! A platéia duvidou das estórias do Sargento Darwin, que propôs então : “Ahammm...”vocêis” não acreditam...pois tá certo...proponho um de “vocêis” ...ir agora lá na tumba do Zé das Mortes...e arrancar a cruz de madeira e trazer aqui” “eu pago 10 Cruzeiros pelo feito e mais 2 garrafas de vermute” (comprava-se no bolicho (pequeno armazém) da Fazenda Bela Vista) . Babando muito...berrou: “quem se habilita ? - Vocêis num são “Hômi ?” .
Tá danado...pensei comigo...este cara comigo não blefa. Respondi: - Sargento Darwin – pois o Senhor que é um Comandante Valente...vá até lá e me traga a tal da cruz ! Eu dobro a aposta e lhe pagarei !
Sargento Darwin...levantou-se, olhos injetados de vermute...e saiu esbaforido porta -à – fora.
Nós três , Eu, Sargento Gasparoto e Soldado Lourides...ficamos rindo...e comentando...” não vai lá não....ele tá indo para casa dele dormir..,”Darwin morava com a família na casa do Comandante, única casa coberta de telhas, ao lado da nossa !
Pois bem...decorrido uns 20 ou 30 minutos, a porta da nossa cozinha, foi violentamente aberta com um chute...um barulho danado...Soldado Lourides, que estava com a cadeira apoiada na parede só em dois pés, estatelou-se no chão...aumentado o barulho. Ficamos de pé...olhos assustados...e na porta o Sargento Darwin, brandia com as mãos a “tal da cruz do Zé das Mortes”...foi aquele “cagaço” !
“Calma ...Calma... a platéia gritava” . _ “Sargento Darwin - esta cruz, não é a do Zé das Mortes ...deve ser outra, que o Senhor tem no almoxarifado do Destacamento, e está querendo nos enrolar “ !
Ele com aqueles olhos vermelhos, arregalado, injetados de vermute...respondeu-me: Sargento “Adirço”, pois eu jurei e prometi que do dinheiro que vou ganhar de sua aposta, 10 cruzeiros vou gastar com velas para a alma do Zé das Mortes e vou acender as velas amanhã. Mas jurei que, quem iria devolver esta cruz, agora à noite e já... ERA VOCÊ , lá na tumba do ZÉ !
“COMO É QUE É ?” ... pensei comigo, e respondi : “Amanhã de manhã eu devolvo esta cruz lá ...! Isso foi um “tedéu” ! Sargento Gasparotto e Soldado Lourides que dormiam em redes na nossa casa ...berraram : “NEGATIVO ...ESSA PÔRRA DESSA CRUZ TEM QUE VOLTAR HOJE...SENÃO O ZÉ DAS MORTES VEM BUSCAR ...”
Meus amigos...não riam não...eu fiquei com medo...mas não poderia demonstrar...virei-me para o Soldado Lourides e disse ...você vai comigo!! É uma Ordem ! “Eu não sei onde é a tumba do Zé das Mortes e alguém tem que segurar a lanterna ! “ Lourides disse: “Tá certo...eu vou e seguro a lanterna, mas quero também uma garrafa de vermute !” Diacho, isso tá me saindo caro “ Pensei...
Noite escura...saiu aquele cortejo fúnebre, porta à fora, Sargento Adilson,empunhando à Cruz e já mentalmente rezando um “pai nosso- Deus me acuda” calção de educação física, camiseta e sandália de dedo, mesmo uniforme do Soldado Lourides...no calor só usávamos isso à noite para dormir nas redes ! Um vento quente...soprando do pantanal...açoitava o capim colonial, a beira do caminho...é um capim alto...que dobra-se ao vento e produz barulho típico...coisa de assombração ! Como o capim é alto...há uns 60 metros da casa, em direção ao cemitério...andando nos “carreiros do gado”, não percebemos por trás das grandes moitas de capim, dois ou três muares (burros) da tropa que usávamos no quartel ! Pastavam por trás das moitas...mas o barulho do vento no capim...não permitia ouvir...o cortejo seguia ! Sargento Adilson e Cruz do Zé das Mortes à frente...atrás, com uma lanterna “My Day”, de três pilhas...Soldado Lourides , jogava o facho...para iluminação !
Quando passávamos pelos muares...um deles resolveu “espirrar”...”pôrra meu...vocês já escutaram espirro de burro em noite escura de Breu ? “ Foi o pior grito de “assombração” que já ouvi na minha vida ! Olhei para trás... a lanterna tinha sido jogado fora...e só via os cambitos (pernas do Lourides)...em disparada sumindo no meio carreiro...e logo o alcancei...também deixando a Cruz do Zé das Mortes e minhas sandálias havaianas para correr melhor ! Ave Maria ! Voltamos para casa...paramos no portão.. esbaforidos .e combinamos nada contar aos dois Sargentos...e no dia seguinte no amanhecer, fomos procurar a lanterna, a Cruz do Zé...e as havaianas...lógico que passamos a noite “rezando Pai Nosso e Deus me Acuda...pela “alma do Zé das Mortes para que ele não viesse de noite pedir a devolução da cruz...” e prometendo o dobro de velas para a alma penada ! Podem rir...mas pergunto...o que vocês fariam ? Meu abraço de pantaneiro “valente”...hehehe.
Texto de Adilson Tadeu Machado