domingo, 14 de outubro de 2018

MORDIDA DE COBRA X PÊLO DE GUARÁ !

Ao amanhecer, anos 60, os campos cobertos de geada, na Invernada de Cima, na Fazenda Santa Rita,(interior de São Joaquim SC) eu e o primo paulista, Armando Gazoli (Armandinho ou “Mô”), descalços, pés nos chão, pisando nos "carreiros sem geada", fomos arrebanhar as vacas, para a “tirada do leite”. Os bezerros, recolhidos no galpão, na tarde anterior, mugiam por suas mães. Algumas pernoitavam, ao redor da casa do Vô Boanerges, outras “velhacas”, dormiam longe, muitas deitadas sobre macegas de banhado, para escaparem do gelo da geada. Nos dirigimos para a região do “capãozinho das calhas”, lá avistamos 2 ou 3 vacas nas macegas do banhado, deitadas, aproveitando os primeiros raios de sol da manhã. Teríamos que entrar no banhado, para levantá-las e tocá-las para mangueira e galpão, onde nossos avós esperavam para a jornada diária da “tiração do leite”. O banhado é o terreno com lodo e água, pântano, que atolava até à canela. O “macete” de andar nele é ir pulando de macega em macega, touceira de capim alto, cuja base é sólida e você não afunda no lodo. São touceiras espaçadas, às vezes, com um passo simples, se consegue, mas na maioria tem que pular, impulsionando com as pernas. Nem sempre o salto, é preciso e você escorrega e afunda na lama. Assim de touceira em touceira avançávamos em direção aos animais que tínhamos que “tocar”. Cada um de nós visando o “animal” e gritando “ôaaaa! ôaaa! Ôaaa!”. O grito fazia levantá-las e dirigirem-se para a sede da Invernada de Cima. De repente...ouvi a exclamação desesperada do Armandinho: “AAIIII...UMA COBRA ME PEGOU !” ...Vi sua corrida disparada, atolando e saindo para fora do banhado. Lavou o pé na água e vi o sangue marcando dois pontos da picada. Desesperado corri para casa...gritando e alertando o pessoal. Armando vinha atrás, chorando muito ! Foi um “tedéu” medonho na sede (casa) ! Correria de todos para atender ao Armandinho. Vô Boanerges determinou que selasse a “eguinha”,(égua tordilha) e o meu primeiro irmão (Boanerges Neto), partiu em disparada para a Vila de Santa Isabel, cerca de uns 15 Km, em busca de sôro anti-ofídico. Minha Tia Cota (Mãe do Armando), lavava o pé do Armando em gamela e ouvia muitos palpites...de como atender ao primo. Lembraram do “Tio” Pedro Lourenço “taipeiro”, construtor de taipas (muros de pedra que cercam os campos). Tio Pedro estava acampado, no “capãozinho dos papagaios”, construindo a taipa que circundava à lavoura. Homem simplório, uns 60 anos de idade, aparentando muito mais, face encarquilhada do sol e trabalho duro, mãos calejadas, muito alto, enorme bigode estilo mexicano. Conhecido por saber de “medicina natural”, chá de ervas, etc. Mandou minha avó Angelina, providenciar uma “goma de mandioca” e foi feito um emplastro quente para “puxar” o veneno, com pano, sobre o pé ferido ! Tio Pedro taipeiro, abriu sua guaiaca (porchete de vários compartimentos), de couro, na cintura, onde de um deles, cuidadosamente desenrolou uma palha de milho e catou pelos- de- guará(cachorro do mato) e os colocou sobre os orifícios da mordedura da cobra ! Armandinho não apresentou nenhum sintoma clássico do avanço do veneno pelo corpo. Manteve-se consciente e disposto. Cerca de umas duas horas depois, meu mano Boanerges Neto, regressava e apeava da tordilha eguinha, coberta de suor, à beira da exaustão, com a informação de que na venda do Sêo Paulo, comprara o sôro. Meu avô determinou que o Mano Boanerges Neto não aplicasse o sôro . Armando estava bem e não necessitou mais atendimento. Aí ficou a dúvida...foi picada de cobra ou mordida de “preá” ratão do banhado ? Armando jura até hoje que era cobra...eu não vi...se era cobra, deveria se “papa-pinto”, (Caninana), ele jura que era “jararaca”...ou os pelos de guará...puxaram o veneno? O que vocês acham ? Esta eterna dúvida...minha medicina não explica ! Uia ! Texto de Adilson Tadeu Machado