terça-feira, 25 de dezembro de 2018
Texto do Dr. Adilson Tadeu Machado.
A ESPOLÊTA E O REVÓLVER...UM NATAL !
Passei este natal 2017, longe de casa...mas visitando uma filha que vive em outro Estado. Linda região, boa parte ainda desconhecida para mim, terra pródiga, conquistada com “braços fortes de imigrantes” que graças ao fruto do árduo trabalho, tornaram a Serra Gaúcha, num celeiro de progresso e trabalho ! Noite de Natal, jantávamos à convite de filha e genro, em elegante restaurante e analisava mentalmente, como muitos de vocês, aos diferentes Natais, que tivemos nestes anos de vida, com diferentes lembranças.
Na década de 50, anos difíceis para muitos, nosso Natal em Lages, como todos os anos, montávamos com pinheirinho natural (não era proibido o corte), velinhas coloridas em castiçal de metal, como prendedor de roupas de varal e assim íamos montando. O pinheirinho era ajeitado em “lata quadrada de querosene”, vazia e que enchíamos de cacos de tijolos e areia para suporte do tronco do pinheirinho. Cobríamos à areia e tijolos com “barba de velho”. A “neve” do pinheirinho era com chumaços de algodão branco. Ao pé do pinheirinho, um casebre pequeno feito de tocos de galhos de árvore, com imagens de barro de José, Maria, Menino Jesus e animais e quem tinha, também os 3 Reis Magos , nossa representação de presépio. Eram noites mágicas !
A ansiedade brilhava aos olhinhos, das crianças ! Lages nos anos 50...era região de difícil trabalho...para muitos, era a lida campestre, roça, e assim por diante. Poucos proviam seus afazeres com moeda sonante. Minha mãe, professora primária, após passar dois anos internada em sanatório para tuberculosos, isolada da família, foi considerada incapaz para o trabalho, com colabação completa de um pulmão e 30 por centro do outro. Recebia o equivalente a meio salário mínimo da época. Na roça, meu pai, tentava vender os produtos de cada safra, competindo com muitos lavradores em semelhantes condições. Assim a vida seguia !
Aquele Natal, realmente estavam difíceis as coisas... eu havia ganho no Natal anterior, um revólver de metal, que estourava pequenos carretéis de papel, com espoleta. Era o tipo “cowboy”, com cinta que ajustávamos na cintura, meio caído à direita. Afinal eram tempos de “Roy Rogers, Rocky Lane, Dale Rogers, Billy the Kid” e tantos “heróis” dos “gibis” (cartoon) que líamos ou aprendíamos a ler. Tempos de “faroeste’ na matinée dos cines Marajoara, Tamoio e “Poeira” (Carlos Gomes).
Eu notara que meu revólver sumira...ninguém sabia me dizer o que houvera ...afinal, tive que brincar de “faroeste”, com os amigos, improvisando com tocos de madeira. A brincadeira de faroeste, tinha regras próprias. Um pé de vassoura carqueja, no campo, servia de “trincheira” e ninguém poderia ser “prêso” ou “morto”, atrás de trincheira...divididos em 2 grupos “mocinhos e bandidos” disputávamos ‘partidas”. Everaldo tinha uma “estrela” de xerife no peito, como seu pai era alfaiate, ele aprendera a fazer coldre de pano,(brim verde oliva), sobra de tecidos e tinha um belo coldre, para alojar sua arma de plástico !
Eis que chega o Natal...voltávamos ansiosos da “Missa do Galo”, corríamos para o “Pinheirinho de Natal”, velinhas acesas, olhos esbugalhados, olhando os pacotes de presentes em papel colorido ! No meu pacote, encontrei o “revólver”, era o mesmo do ano anterior. Fôra limpo, lixado e pintado prateado, sua cor original , junto a ele, um rolinho de papel espoleta...meio desapontado, olhei para minha mãe...vi seus olhos marejados, brilho azul, ofuscado por lágrimas...exclamando...”Este ano Papai Noel aqui em casa, passou mas...foi o que foi possível deixar de presente” ! Estava com 8 anos de idade, entendi...e coloquei a cinta e o coldre, corri para rua e fui chorar sozinho.., para ela não perceber, não pelo revólver, mas por Ela, que fizera o trabalho de lixar e pintar meu presente...e pouco depois eu era o “Xerife”, com a estrela do amigo, que me emprestou ! Fomos à partida “Mocinhos X Bandidos”...eu ganhei ! Belo Natal ...quem não tem saudade ? 1956.