domingo, 9 de setembro de 2018
“ALUNO INSPETOR DE HIGIENE – 1956”
Texto do Dr. Adilson Tadeu Machado - médico
Começo de ano escolar, em 1956, Escola Primária Nossa Senhora das Graças,Bairro das Casas Populares, LAGES SC, anexa ao Orfanato mantido por Freiras Religiosas, Ordem SDS, vindas da Alemanha. Casarão de madeira, 4 salas emendadas, com divisões de paredes de Madeira de Pinho. Um varandão comum na frente de todas as salas. Estudávamos da primeira à quarta série primária ! Era um tempo em que os meninos usavam uniformes de calça curta, camisa branca e bordado símbolo da escola no bolso da camisa. As meninas saia azul, “plissada” e também camisas brancas. Sapatos pretos (quem possuía e meias brancas), podia também usar “alpargata roda azul “ e quem não tinha, poderia vir descalço. Aula de segundas às sextas feiras das 08:00 às 10:00 horas, com recreio das 10:às 10:30 horas, término ao meio-dia. Irmã Sinfônia, Diretora severa, sotaque alemão carregado, era quem tocava a sineta de controles dos horários. Sábado aula de religião ou educação física e canto de Hino Nacional e somente até às 10 horas.
1959, com 8 anos, eu estava iniciando o segundo ano primário. Nossa professora Srta Alice Mendonça, era filha do Sr Mário Mendonça (Português de Nascimento) e Sra Ruth Mendonça (alemã), também professora.
Dona Alice tinha cabelos alourados, pequenas sardas na face e fama de muito rigorosa em Disciplina dos alunos, não permitia “conversas” na aula e usava uma régua que batia fortemente na mesa, para não permitir aos bate-papos ou desatenção dos alunos. Sentíamos temor e admiração e claro respeito.
Dona Alice explicou que faria uma eleição, entre os alunos, deveriam escolher um aluno, que seria o “Inspetor de Higiene”. Deveriam escrever num pequeno pedaço de papel (cédula), o nome do colega de aula que parecia ser o mais “limpo”, uniforme e aparência, pois seria então, o detentor da Caderneta de Inspetor de Higiene da Sala de Aula, do Segundo Ano. A tarefa seria em dia da semana, em que ela aleatoriamente mandaria o “Inspetor”, fazer a “inspeção de higiene” e anotar todas as “irregularidades” dos colegas, para registro na “bendita caderneta”.
Aberta à urna “caixa de papelão de sapatos”, o nome do ADILSON , foi o vencedor ! Meu Deus...senti a glória, jamais esperava isto. Era meu “primeiro destaque”, um orgulho incomensurável. Foi então colocado meu nome na Caderneta: INSPETOR DE HIGIENE ! Nossa...aquilo foi soberbo ! Não via a hora de chegar em casa e contar para minha mãe !
Num determinado dia, Dona Alice, professora, chamou-me em voz alta “Adilson, hoje você fará sua inspeção” ! Era um dia de chuva, frio, aqueles dias cinzentos de Lages SC. Sentindo-me autoridade, saí “escrevendo e anotando de carteira em carteira, sentávamos aos pares...cadeiras de madeira, tinteiro no meio, e vincos feitos na carteira, para o lápis e borracha. Na minha carteira, ao meu lado sentava-se um menino mais velho, alto esguio, vindo de uma fazenda da Coxilha Rica e que começava os estudos, com idade diferente das nossas. Sua higiene era pouca, as condições da época, usava o mesmo uniforme da escola, para suas tarefas ajudando aos avós, na lide diária. Cheirava mal, odor de urina, pois era época de “enurese noturna”, as vezes dormindo perdia urina na cama. Tinha um nariz, com alguma rinite permanente, pois com o frio, sempre era “ranhento” e limpava na manga da camisa. Aquilo me incomodava. Eu como “Inspetor de Higiene”, fiz um relatório detalhado destas irregularidades, assim como de outros coleguinhas. Todo emplumado, entreguei minha caderneta de anotações...então Dona Alice, voltando-se para mim disse, em voz alta: “Muito bem , Senhor Inspetor...vou examinar ao senhor e o senhor anotará aí o que eu encontrar”. Ave Maria(tremí todo)... ...anote aí : “unhas e mãos sujas” (jogávamos “quilica”, bolinha de vidro no recreio, no páteo de terra), “pés e canelas sujas de barro”. Ela nunca leu minhas anotações que fizera dos meus colegas. Todos ouviram o que ela mandou eu anotar, “ quase morri de vergonha”, lição que nunca mais esqueci ! Nunca mais fui chamado para ser Inspetor de Higiene e nenhum outro colega. Ficou a lição para todos...”nem sempre o que parece ser o “mais limpo” não o é. O temor de ser novamente Inspetor, nos fez ter o cuidado de manter-se limpo na sala de aula, após aos folguedos do recreio, corríamos para a pia do colégio, lavar mãos, rosto, etc para não sermos flagrados ! Velhos tempos ! Saudades
!